Quantum E Cosmos: Introdução A Metacosmologia

“A conjectura segundo a qual o Universo terá um fim em um grande cataclismo (Big Crunch) é tão ingênua quanto o processo inverso de sua eventual origem (Big Bang). […] O Universo ainda está em formação, é inacabado, eternamente inacabado, imerso em um processo contínuo de formação, criação e destruição. Assim como este Universo criou a si mesmo a partir de um vazio, quando ele se destruir sobrará o vazio. A partir desse vazio um novo Universo se construirá. E depois? Hoje, não temos nenhum indício que permita afirmar que esse processo de criação e destruição tenha um fim.” Mario Novello * * * Desde sempre, o homem foi atraído pelo esplendor do Universo. Adentrar a cosmologia, usar a razão e o método cientifico para perscrutar o Universo deveria ser um momento grandioso do pensamento. Mas, ao longo do século XX, a cosmologia encolheu esse maravilhamento, deixando em seu lugar equações que não fazem sentido para a grande maioria dos não iniciados e cuja interpretação não aprofunda a reflexão sobre o mundo. A acreditarmos em Heidegger, a ciência não pode mais ser entendida como um valor de civilização. Tornou-se um afazer técnico e prático. No caminho em que se desenvolveu, não permite produzir modos de pensar amplos, capazes de despertar o espirito e produzir reflexão sobre o mundo. Contrariamente a essa visão negativa do filósofo, veremos que a cosmologia está gerando um movimento de ideias que vão na direção oposta, permitindo um despertar do espirito. Em particular, veremos como certa atividade, construída a partir da análise da estrutura do Universo, deu origem a um caminho de renovação do pensamento, que chamaremos de metacosmologia. De modo preliminar, podemos distinguir a cosmologia, que trata deste Universo, e a metacosmologia, que trata de todos os Universos compossíveis. Na tarefa de produzir novos modos de pensar, a metacosmologia se apodera, em particular, daquela que Heidegger considera ser a questão fundamental da metafísica: “por que existe alguma coisa em vez de nada?” Entender como isso foi possível é o objetivo principal deste texto. Em síntese, trataremos do microcosmo e de suas múltiplas aparências; da distinção sombria entre o real e o virtual; dos múltiplos tempos da física e do tempo único da cosmologia; da dependência cósmica das leis físicas. Daremos então um salto no vazio e mesmo além. Veremos o significado do processo de bifurcação exibido por um cosmos indeciso que limita o determinismo. Exibiremos o mecanismo, descoberto pelos cosmólogos, de um Universo cíclico que produz processos em repetição e as diferenças que podem ocorrer em alguns ciclos. Chegaremos, enfim, ao Universo solidário, antecipado por Giordano Bruno, e à possibilidade de construir uma ética a partir dele. * * * Mario Novello é pesquisador emérito pelo Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (2012), doutor honoris causa da Universidade de Lyon (França, 2004) e doutor em física pela Universidade de Genebra (Suíça, 1972). Em 1979, elaborou o primeiro modelo cosmológico de um universo eterno, em oposição ao modelo do Big Bang. Em 2006, foi reconhecido pelo Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas por ter orientado o maior número de teses de mestrado e de doutorado da instituição. É autor de inúmeros artigos científicos e vários livros de divulgação, tendo recebido em 2017 o Prêmio Jabuti.