O homem dentro do átomo
A direção atual do CBPF pretende substituir seu tradicional logo. Isso pode ser pensado dentro de um cenário de natural evolução da instituição.
Um logo serve entre outras coisas para a apreensão imediata daquilo que pretende simbolizar. Nos anos que seguiram 1950 a figura símbolo do CBPF já possuía um significado tão universal que todos reconheciam de imediato a prioridade do que se fazia naquela instituição: a ciência da física.
Do meu ponto de vista, um cosmólogo poderia ser levado a apoiar essa alteração. Com efeito, aquele átomo não me diz respeito, não põe em evidência as maravilhosas observações que vem do espaço e que notícias quase cotidianas invadem e alteram o imaginário popular e sua perspectiva da atividade cientifica. E no entanto, malgrado essa aparente popularidade da Cosmologia, me sinto extremamente desconfortável com essa proposta de mudança. E por que? Para encurtar uma longa análise eu diria que a razão é uma só: para que não se altere significativamente uma história.
O logo do CBPF serviu esse meio século para simbolizar uma liberdade de pesquisa que esse Instituto sempre teve, até mesmo nos anos difíceis da ditadura. Os dirigentes do CBPF, com maior ou menor ênfase, sempre apoiaram a liberdade da pesquisa e mais, não permitiram que interesses particulares ou da administração central de Brasilia interferisse em sua prática de fazer ciência.
Claro está, que uma simples troca de logo não implica em uma mudança maior ou menor de suas atividades. Mas simboliza claramente um afastamento de seu passado.
Essa atitude da atual administração para com seu passado me faz vir à memória uma belíssima passagem de Italo Calvino em suas Lições Americanas ou as seis propostas para esse milênio. Quando Perseu após vencer a Medusa e arrancar-lhe a cabeça, procura um lugar para pousá-la, não a coloca diretamente em contato com o chão, mas sim estende um punhado de folhas para servir-lhe de repouso. Esse cuidado especial, essa delicadeza nada mais é do que um gesto de respeito pelo seu passado.
Trocar o logo do CBPF pode implicar precisamente numa atitude oposta à de Perseu, por permitir que se apague seu passado, dando-lhe uma sorte ingrata concedida por aqueles que não tem mais respeito ou orgulho de pertencer à mesma história. É apagar a tradição e com ela retirar a dignidade de seus momentos gloriosos.
Mas será que não estarei exagerando? Ou devemos duvidar dessa critica? É possível que essa interpretação não represente a verdadeira razão, sendo nada mais que literatura, ilusão, maya, fantasia ou nostalgia? Afinal, não se trata de uma simples troca de logotipo?
Ou o que se está de fato produzindo (e terão todos consciência disso?) é uma mudança simbólica do perfil da instituição? Estamos deixando para trás esse passado onde o CBPF se afirmava como um centro de pesquisas em física onde se cultuava o saber, a beleza e encantamento da natureza?
Como contrapartida estão nos oferecendo um instituto de aperfeiçoamento técnico e inovador mergulhando na versão capitalista de usufruir o conhecimento para a construção de modos de produção técnica que possam vir a ser utilizados, tendo como principal ponto de apoio a sustentação da ideia contemporânea, desprovida de historicidade onde, como diz Nuccio Ordine, seremos regidos pela máxima segundo a qual todo conhecimento que não produz lucro é inútil.
Mas se é assim, então a troca do logo nada mais é do que uma ação trivial que não merece sequer uma análise de sua repercussão.
Qual dessas duas propostas é a boa interpretação?