O universo solidário

Artigo publicado no Jornal do Brasil

Solidariedade é um conceito empregado quase que exclusivamente na sua dimensão social. Em verdade, o exame da evolução deste conceito mostra que, embora suas origens residam no Direito romano, sua flexibilidade permite utilização em diversas áreas como biologia, ciências sociais e economia.

Graças à teoria da Relatividade Geral de Einstein, o termo solidariedade pode ser usado também nas questões cósmicas. Isso se deve às propriedades dessa teoria, que mostrou as incongruências que aparecem quando se extrapola as leis físicas terrestres ao universo, sem considerar sua compatibilidade com as propriedades globais do cosmos.

A noção de solidariedade pode, ainda, ser entendida como um processo que repousa sobre a compatibilidade, a coerência no sentido da matemática e da física, numa união para produzir um evento que beneficie a todos os envolvidos.

O argumento principal consiste em empregar o conceito de solidariedade para a compatibilização entre o micro e o macrocosmos, isto é, entre as propriedades das partículas elementares que constituem todos os corpos e as características globais, topológicas, do universo.

Se não houvesse compatibilidade entre as leis físicas,  isto é, se não existisse uma harmonia entre o micro  e o macrocosmos, uma disfunção estaria presente. A solidariedade local-global é fundamental para que efeitos gerados numa eventual incompatibilidade não provoquem instabilidades, perturbações que possam crescer sem controle, inviabilizando a existência do universo por um tempo significativo.

O modelo cosmológico proposto por Einstein, em 1919, seria um bom exemplo para tal cenário desastroso devido à ausência de interação solidária entre suas partes, o que produz alta instabilidade.  Esse modelo foi substituído pelo cenário proposto por Alexandre Friedman, em 1922, de um universo dinâmico em expansão, uma ideia seminal cheia de potencialidades na gestação de uma visão aberta do universo que ainda hoje domina o cenário da cosmologia.

A hipótese ingênua de que as diferentes partes do universo se estruturaram de modo independente não pode ser considerada seriamente. A solidariedade global é a condição mínima para permitir que o universo possa ter estabilidade e longevidade necessárias para permitir o surgimento da vida, possibilitando o ulterior aparecimento de seres humanos capazes de refletir e apreciar a beleza do cosmos.

Essa solidariedade das diferentes estruturas, seja no microcosmos, seja nas propriedades globais do universo, foi explicitada como uma conquista da ciência somente nos anos recentes, possível graças à evolução do conhecimento tanto no mundo das partículas elementares e sua complexa organização, como nas propriedades das gigantescas estruturas das centenas de bilhões de galáxias observadas.

Entendemos, então, que é um passo natural a aplicação desse conceito igualmente à sociedade humana, não como algo esdrúxulo nem como uma fraqueza opondo-se à prática guiadora de sobrevivência darwiniana, mas sim como uma lei natural, universal, de convivência e procedimento de interação entre toda forma de ser, vivo ou não.

Uma tal ideia não é novidade, pois já no século 16 Giordano Bruno ensinava que o modelo de vida em coletividade a ser seguido deveria se espelhar na multiplicidade de mundos típica de sua cosmogonia, que ele construíra, a partir da ideia de infinitos mundos, um modo de ser em sociedade que faria da solidariedade o instrumento mais legítimo de sobrevivência.

O sociólogo francês Alain Supiot apontou que a causa da destruição das instituições sociais, fundadas sobre o princípio da solidariedade nos diversos países do ocidente, deve-se à propriedade principal da noção de solidariedade que, em sua versão social, se opõe frontalmente à extensão da lógica perversa do neoliberalismo.

Não deixa de ser irônico constatar que essa destruição vai na contramão do que a Cosmologia nos ensina, ou seja, considerar a solidariedade como um dos princípios fundamentais do universo.